Monday, February 6, 2012

Medir a inovação: os equívocos do manual de Oslo

Como se mede a beleza? Como se pode medir a felicidade? Perguntando.
Medir uma grandeza implica que seja possível a sua definição de forma razoavelmente precisa e operacional. Algo difícil, senão mesmo impossível, para a beleza, a felicidade, o amor, e … a inovação.
O problema aparece exemplarmente descrito na célebre cena sobre o capítulo I do fictício manual “Understanding poetry”, pelo fictício Dr. J. Evans Pritchard, Ph. D., no magnífico filme “Dead poets society” – todos compreendemos que a tentativa de Pritchard para quantificação do valor de uma poesia ou de um poeta é pueril, grotesca e insuficiente:
“If the poem's score for perfection is plotted along the horizontal of a graph, and its importance is plotted on the vertical, then calculating the total area of the poem yields the measure of its greatness”.
No filme, Keatting é brilhante a ridicularizar a situação. Mas na realidade muito do que tem publicado sobre medidas de inovação padece exatamente do mesmo problema.
Se inovação é “profitable change”, uma nova combinação que cria valor adicional (Schumpeter), como é que se pode medir algo tão "fuzzy", definido de uma forma tão pouco precisa e, acima de tudo, altamente subjetiva e dependente das circunstâncias locais e temporais?
As motivações para medir inovação são óbvias: se a inovação é o mecanismo de resposta á pressão competitiva da economia e da sociedade, e daí resultam os mecanismos fulcrais de contínuo crescimento económico a longo prazo, então medir a inovação é tomar o pulso ao potencial de crescimento económico, e à eficiência ou impacto das políticas “pró-inovação”. Um domínio politicamente muito sensível nos dias de hoje.

Em 2004 colaboramos num estudo para a (então) UMIC Unidade de Missão Inovação e Conhecimento, de que resultou uma publicação sobre "Mapear inovação e conhecimento em Portugal. Uma proposta para um sistema de indicadores e um programa de observação", onde se discutiram as questões associadas à medição da inovação (num país), e se trataram alguns problemas das várias metodologias (ver em especial cap. 2.1, p. 19 a 24). Será boa altura para rever alguns aspectos da questão.

A OCDE fez das estatísticas associadas com a ciência e a tecnologia, a investigação e desenvolvimento, e agora a inovação, quase uma indústria. A União Europeia também, via Eurostat. Milhões têm sido gastos para por de pé um sistema de medida e acompanhamento da inovação no espaço comunitário. Mas medir inovação obriga a uma definição mais operacional e menos fluida..
Por isso a OCDE e o Eurostat têm tentado estandardizar as metodologias estatísticas para medir inovação. A tradição europeia é medir  inovação por inquéritos a amostras (estratificadas) a empresas. Logo não mede diretamente a inovação, mas antes a percepção que os atores inquiridos têm sobre inovação. Isto apesar do inquérito pretender informar o inquirido acerca das definições adoptadas no manual de Oslo. As sucessivas revisões deste manual têm tentado (re)definir inovação de forma que a operacionalização prática da sua medida por inquirição seja (mais) viável.
A última revisão do Manual de Oslo (OCDE, 3ªed., 2005) define inovação e atividades inovadoras do seguinte modo:

  • An innovation is the implementation of a new or significantly improved product (good or service), or process, a new marketing method, or a new organizational method in business practices, workplace organization or external relations. The minimum requirement for an innovation is that the product, process, marketing method or organizational method must be new (or significantly improved) to the firm.
  • Innovation activities are all scientific, technological, organizational, financial and commercial steps which actually, or are intended to, lead to the implementation of innovations. Innovation activities also include R&D that is not directly related to the development of a specific innovation.
A imprecisão da definição é óbvio: como se define e mede “new” ou “significantly improved”? Há sempre uma componente subjectiva e culturalmente dependente na avaliação dessas situações. Logo o sentido de inovação não é o mesmo num dado ano em paises tão diferentes como, por exemplo, a Alemanha e Chipre.
A tentação de incluir à força as atividades científicas como inovação é patente. A confusão entre investigação científica e desenvolvimento tecnológico também. Um disparate, como temos argumentado em posts anteriores – mas um disparate que se compreende como políticamente correto por óbvias razões corporativas da prórpia comunidde científica. Veja-se, por exemplo, a última frase da citação (italico da minha responsabilidade).
O título completo do Manual de Oslo, é elucidativo: “The measurement of scientific and technological activities. Proposed guidelines for collecting and interpreting technological innovation data. Oslo Manual” e reflecte a confusão e o disparate anterior. Note-se que no título se refere apenas a inovação tecnológica, e que o próprio título parece sugerir que medir a inovação tecnológica é um subcapítulo de medir actividades científicas e tecnológicas (ou seja, a inovação tecnológica seria uma consequência das actividades de investigação e desenvolvimento). 

Mas depois o manual considera como principais tipos de actividades de inovação: inovação de produtos, inovação de processos, inovações de marketing e inovações organizacionais – ou seja, ultrapassando completamente o conceito mais restrito de inovação tecnológica e abraçando (melhor: apropriando-se) do conceito de inovação em geral, mesmo que as fontes inspiradoras de algumas dessas categorias mais importantes de inovação possam nada ter a ver com actividades de R&D, ou atividades científicas e tecnológicas.
A apresentação do manual na página na OECD fala também por si e pelo esforço de apropriação do conceito de inovação como inovação tecnológica (ou industrial):

  • The ability to determine the scale of innovation activities, the characteristics of innovating firms, and the internal and systemic factors that can influence innovation is a prerequisite for the pursuit and analysis of policies aimed at fostering technological innovation. The Oslo Manual is the foremost international source of guidelines for the collection and use of data on innovation activities in industry.
Mas na primeira edição (1992), essa apropriação era ainda mais flagrante, pois excluia a inovação organizacional e a inovação nos serviços, e considerava apenas a inovação de produto e de processo em ambientes de produção industrial (“manufacturing”), que serão as mais diretamente associadas ás actividades do sistema sientífico e tecnológico. A segunda edição (1997) estendeu a inovação aos serviços – mas sem abandonar a insistência na componente científica e tecnológica. A terceira revisão, e última até ao momento, alarga as fronteiros da inovação, mas, como se víu, não abandona completamente o disparate da associação direta entre inovação e actividades de R&D em ciência e tecnologia.
Esta pequena digressão pela história do manual de Oslo é útil, pois mostra que, no período de pouco mais do que uma década, perante a evidência crescente do disparate da inovação com produto direto do sistema científico e tecnológico, a OCDE mudou mais do que uma vez, e substancialmente, a definição operacional de inovação para fins estatísticos – o que torna muito problemática qualquer comparação de resultados de inquéritos ancorados em diferentes revisões do manual. Manual que foi, e é, a base das estatisticas europeias sobre inovação – em especial os CIS (Community Innovation Surveys). Um dos próximos capítulos.

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